Excesso de reuniões: Lições de um estudo de 1999
“Ana, o que é que aqueles senhores fizeram de mal para estarem ali fechados numa reunião?”
A pergunta foi-me feita pela Lara, na altura com 4 anos, e o contexto poderá ter influenciado a dedução: ao contrário dos visados, nós estávamos na rua, num espaço em que havia um trampolim, uma casa de brincar e uma piscina.
Não será necessário um contraste tão marcado para que a pergunta ocorra a vários adultos, várias vezes ao longo do dia: “o que é que eu fiz de mal para estar fechado nesta reunião?”
Nos workshops que tenho feito em empresas na sequência da publicação do meu livro, costumo perguntar aos participantes qual a maior ameaça à sua concentração em contexto de trabalho.
As reuniões surgem sempre em lugar de destaque. São muitas, ocupam muito tempo, são pouco produtivas e - o que é pior - quem nelas participa sente que a sua presença é desnecessária, mas inevitável.
Um estudo fascinante publicado em 1999 por Leslie Perlow ajuda a compreender porquê. Na altura, a investigadora procurava compreender como é que as pessoas usavam o seu tempo no trabalho, porque é que o utilizavam dessa forma, e se o uso que faziam era o mais adequado para si e para as equipas de que faziam parte.
Optou por observar um grupo de 17 engenheiros que tinha um produto para desenvolver e entregar em nove meses. Depois de concluir que estavam condicionados a trabalhar num ciclo vicioso que os levava a sentir que tinham demasiado para fazer e pouco tempo para o conseguir, convidou-os a participar numa experiência que pretendia alterar a forma como dispunham do seu tempo.
O projeto passou por três fases:
Na fase 1, foi agendado um período sem interrupções, três dias por semana, até ao meio-dia.
Na fase 2, foi definido um tempo de interação, cinco dias por semana, entre as 11h00 e as 15h00; assumia-se por defeito que o período antes das 11h00 e depois das 15h00 seria livre de interrupções.
Na fase 3, foi repetido o padrão da primeira fase.
Depois de concluídas as três etapas, a investigadora manteve a observação de padrões e resultados, mas deixou de intervir sobre a organização do tempo dos participantes.
Quais os resultados do projeto?
Para obter uma fotografia completa, precisamos de observar diferentes momentos:
Imediatamente após a intervenção
59% dos engenheiros afirmaram que a sua produtividade esteve acima da média na fase 1, 41% na fase 2 e 65% na fase 3 - os ganhos na última fase poderão resultar das adaptações necessárias a esta nova forma de trabalhar, e que se tornaram evidentes na fase 1;
Comentários qualitativos demonstraram uma preferência pela fase 3, porque neste modelo o tempo livre de interrupções era menos restritivo, mais concentrado e mais facilmente respeitado por todos;
Os participantes identificaram três benefícios do tempo livre de interrupções: 1) oportunidade de fazer tarefas que não conseguiriam fazer de outra forma; 2) maior compreensão do impacto das interrupções permanentes, e consequentemente maior respeito pelo tempo dos colegas; 3) mudança no estilo de supervisão dos managers (menos micro-gestão).
Durante os meses seguintes
Depois de concluída a experiência, os participantes decidiram manter os blocos de tempo sem interrupções;
Um mês após o término da fase 3, 47% dos engenheiros reportaram uma produtividade acima da média (abaixo dos 65% na fase 3);
Três meses mais tarde, o Vice-Presidente da divisão de que os engenheiros faziam parte atribuiu à intervenção a responsabilidade pelo lançamento atempado do produto; foi o segundo lançamento dentro do prazo na história da divisão.
Nove meses depois, os efeitos da experiência eram mínimos;
Um ano depois, o lançamento de um novo produto foi adiado. Na tentativa de agilizar o desenvolvimento, os managers voltaram a tentar implementar o tempo livre de interrupções, mas não resultou.
As conclusões do estudo
Os resultados a curto prazo demonstram que a introdução de períodos livres de interrupções teve impacto nos resultados coletivos da divisão;
Os resultados a longo prazo sugerem que este impacto não será sustentado sem que outras alterações sejam implementadas a um nível mais macro.
Anos mais tarde, em 2017, a investigadora viria a consolidar estas aprendizagens num novo artigo. Em conjunto com duas outras colegas, propôs que, para pôr fim ao excesso de reuniões, as empresas deveriam realizar um esforço coletivo em 5 etapas:
Recolher informação a nível individual: realizar inquéritos ou entrevistas que permitam analisar as percepções individuais sobre o problema.
Analisar os resultados em conjunto: dinamizar uma discussão aberta sobre os resultados dos inquéritos ou entrevistas, para interpretar e compreender os dados e envolver as pessoas na mudança.
Definir um objetivo comum que seja relevante em termos pessoais: criar um modelo de organização do tempo que beneficie o grupo e cada pessoa individualmente (os exemplos incluem designar um bloco de tempo semanal para trabalho independente ou definir períodos livres de reuniões, o que confere autonomia para organizar a própria agenda nesse intervalo).
Estabelecer metas intermédias e acompanhar o progresso: definir indicadores concretos e mensuráveis que permitam aprender e ajustar o caminho se necessário.
Realizar conversas regulares em equipa: ouvir as pessoas semanalmente durante os primeiros meses para identificar o que está a resultar e o que precisa de ser alterado e abrir a porta a novas oportunidades de melhoria.
Em jeito de reflexão final, as autoras advertem: a transição não precisa de ser organizacional. Ela pode acontecer ao nível do grupo, da divisão, ou da unidade - o que não pode é ser individual.
Por isso é que, apesar de a maioria das pessoas reconhecer o impacto negativo do excesso de reuniões no seu tempo, na sua atenção e no seu bem-estar, o sentimento de inevitabilidade se sobrepõe.
Neste tema, como em tantos outros, cabe aos líderes a responsabilidade de dirigir o esforço de mudança e intervir ao nível do sistema. Os trabalhadores podem, certamente, promover conversas que levem a essa mudança (e encorajo a que o façam, se sentirem que o ambiente é seguro para tal), mas sozinhos não serão capazes de alterar o contexto.
Bibliografia:
Perlow, L. (1999). The Time Famine: Toward a Sociology of Work Time. Administrative Science Quarterly, 44: 57-81.
Perlow, L., Hadley, C. & Eun, E. (2017). Stop the Meeting Madness. Harvard Business Review.