Aprendizagem infinita: A perspetiva de um Chef

Photo Credits: Herdade do Esporão

 

O que é que um Chef de 28 anos nos pode ensinar sobre aprendizagem ao longo da vida? Fui falar com o Chef Carlos Teixeira para descobrir. Obrigada pela disponibilidade, abertura e inspiração!

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Pode dizer-se que o Carlos vive depressa: começou no hockey em patins aos 5 anos, começou a trabalhar aos 20, e aos 25 assumiu a cozinha do Restaurante da Herdade do Esporão. Conhecendo-o, percebe-se porque não tem tempo a perder: quer ser o melhor, e sabe que isso não acontece de um dia para o outro. Até porque há sempre novas técnicas a aparecer e um Chef precisa de se manter atualizado, sob pena de ser ultrapassado. 

O convite para liderar a cozinha da Herdade do Esporão foi uma boa surpresa, mas também uma fonte de preocupação: tinha receio de parar de aprender. Sabia, no entanto, que um bom cozinheiro se faz dentro e fora de portas, e por isso rapidamente traçou um plano para expandir os seus conhecimentos: além de fazer um estágio por ano, procura conhecer novos produtores e beber da sua experiência, falar com outros Chefs, pesquisar e ler muitos livros.

“Aprendo tanto com o Blue Hill como com pessoas que viveram toda a vida na terra e que conhecem bem as técnicas.”

Mas comecemos pelos estágios. Para ser o melhor há que aprender com os melhores, e os sítios que escolhe para estagiar são testemunho disso: já passou pelo Nolla, o restaurante mais próximo do conceito de “desperdício zero” no mundo, e pelo Blue Hill, líder incontestado do movimento Farm to Table. Dois conceitos relevantes para a experiência que quer desenvolver no Restaurante da Herdade do Esporão, e duas experiências que lhe permitiriam, mais do que aprender as técnicas, perceber o que fazem, como fazem e porquê. Este é aliás o fator mais importante na seleção dos estágios: ter experiências que depois lhe permitam implementar o que aprendeu. 

Do Blue Hill trouxe na verdade mais do que experiência: na bagagem veio também o estímulo para iniciar um novo ciclo de aprendizagem. É que, para o Carlos, os erros são uma força motriz para resolver problemas e continuar a evoluir. Foi assim que foi parar ao ISCO em fevereiro deste ano: durante o estágio, tinha sido desafiado a preparar uma sobremesa para os colegas e decidiu-se por um clássico: pastéis de nata. Apesar de o feedback ter sido positivo, sentiu-se frustrado porque não ficaram perfeitos. Constatou que já não trabalhava com massa folhada há algum tempo e por isso, durante o confinamento, estando o restaurante fechado e sabendo que o ISCO continuava aberto, decidiu perguntar se precisavam de ajuda. Em troca, ia reaprender a técnica num sítio famoso pelos seus croissants folhados. Depois de lá estar, convidaram-no a fazer pizzas, imaginaram um evento em torno da ideia, e o resto fica para a história de quem as provou. 

“Quando não sei, tenho que aprender.”

Acredita que, tal como um agricultor tem que conhecer os ciclos das plantas, um cozinheiro tem que saber as bases da cozinha, e isso implica aprender a fazer tudo do início ao fim. Só depois é que pode explicar a outros. E é isso mesmo que faz: traz as aprendizagens para dentro de casa, estimula a equipa a fazê-lo, e assim tem tentado criar uma cultura em que a partilha de conhecimento seja tão natural como cozinhar. 

Para isso, faz dois briefings diários, um no início e outro no final do turno, em que a equipa explora produtos novos e troca ideias sobre o que fazer com eles. Depois, nas suas bancadas, cada um tem liberdade para testar conceitos, mostrar o que sabe e dar corpo às suas memórias e experiências. O conhecimento que vão acumulando vai sendo preservado nas receitas, e periodicamente o Carlos faz uma recolha dos melhores pratos e técnicas do ano e organiza tudo por pastas de acordo com os processos utilizados.  

Mas a partilha estende-se também à equipa de sala e ao sommelier. Todos são expostos aos produtos, sabem de onde vêm, e participam nas provas. Além de ser produtiva do ponto de vista da aprendizagem, esta estratégia faz todo o sentido para o negócio: é ela que permite criar uma oferta personalizada a cada cliente, através de uma linha invisível que se estende da horta até à mesa.

“A tradição em alguma ocasião foi novidade”.

Tendo passado por muitas cozinhas em que não havia esta abertura, decidiu que na sua ela haveria de reinar, e é com alguma esperança no futuro que constata que esta atitude é comum à nova geração de Chefs e cozinheiros.

O interesse pelo que estão a fazer na cozinha da Herdade do Esporão tem atraído novos cozinheiros, que trazem consigo ideias diferentes, criando um efeito bola de neve na geração de novo conhecimento. Depois da sua passagem pelo Blue Hill, manteve contacto com vários cozinheiros que manifestaram interesse em vir estagiar com ele. Recentemente foi convidado para dar uma aula online a uma turma de alunos da Escola Superior de Hotelaria e Turismo do Estoril, e daí surgiram 2 estágios.

Está aliás a desenvolver, por sugestão e em conjunto com o seu Sous Chef, um programa de estágios estruturado e adaptado à nova realidade que vivemos. Um projeto que, como não poderia deixar de ser, tem grandes ambições: ser um marco de aprendizagem em Portugal e formar o futuro desta área.

Quanto ao seu próprio desenvolvimento, os planos para o futuro estão ainda em aberto - vão sendo ajustados com base nas necessidades e no que ainda lhe falta aprender. Por agora, está focado na charcutaria e fumados. Nos anos anteriores, esteve dedicado ao pão, depois aos misos, fermentados e vinagres. A partilha, essa, não faltará - em breve vai repetir os Jantares Mãos à Horta, em que 3 Chefs são convidados para cozinhar na rua, à volta do fogo. Uma forma de promover a troca de experiências, trazer entusiasmo e novas ideias à equipa. Deste lado, ficamos expectantes para ver onde essa aprendizagem o pode levar.

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