A importância de parar para pensar

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Criança de 6/7 anos: Se eu morrer nunca mais posso ler o meu diário… 

Mãe: Sim, porque o maior problema seria mesmo esse!

Criança: Mas eu gosto mesmo de ler o meu diário!

(ouvido na Feira do Livro de Lisboa, 2022)

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Alguns de nós terão memória da experiência que esta criança descreve. Até a mãe, apesar da reação inicial, terá sido capaz de compreender (e, quem sabe, reconhecer) o sentimento que lhe está associado. Reler algo que escrevemos é uma oportunidade de nos reencontrarmos com a pessoa que fomos, redescobrir o que pensávamos, reaprender algo que entretanto esquecemos e, por vezes, até reviver a emoção que sentimos.

É (também) por isso que os cadernos desempenham um papel importante na minha vida. Não só os uso para registar e desenvolver ideias no presente, mas também para rever temas passados, olhar para os assuntos com a distância que só o tempo permite e identificar padrões. Periodicamente gosto de conduzir projetos de arqueologia aos meus próprios escritos, e descubro sempre qualquer coisa que me leva a novas investigações.

“Without consuming every letter of this journal and reliving the year from the other side of the world, I'm not sure I would have fully known how good a year it's been.” - René Redzepi

Mas não é só nesta análise retrospetiva que a prática regular de reflexão escrita revela o seu valor e impacto. Fazer uma pausa para refletir, mesmo (ou sobretudo) no meio do caos do dia-a-dia dá ao cérebro a oportunidade de processar observações e experiências e delas retirar significado e aprendizagens. A reflexão é também um caminho para o autoconhecimento, ao permitir-nos tomar contacto com os nossos pensamentos, emoções e motivações. 

Durante uma das suas pausas anuais no mês de janeiro, o Chef René Redzepi tomou a decisão de escrever um diário durante um ano. Na altura procurava lidar com um burnout e compreender melhor a mecânica da criatividade no seu restaurante, e viu no exercício a oportunidade de se dedicar a ambos os esforços. A disciplina de chegar a casa todas as noites e refletir sobre o dia permitiu-lhe compreender melhor as rotinas e aperceber-se dos momentos importantes de forma mais clara. Nas suas palavras, o processo tornou-o um melhor cozinheiro e um melhor chef.  

A investigação tem demonstrado resultados semelhantes aos que Redzepi descreve: a reflexão guiada parece ter, de facto, impacto ao nível do desempenho e do bem-estar. 

Numa experiência realizada em call centers, por exemplo, verificou-se que os colaboradores que passavam 15 minutos no final de cada dia a refletir sobre o que aprenderam ao fim de 10 dias tiveram um desempenho 23% superior ao de colegas que não fizeram a prática de reflexão.

Outro estudo, realizado com pessoas que se deslocavam diariamente para o trabalho, revelou que o grupo que usava esse tempo para refletir e planear o seu dia reportava valores de satisfação mais elevados e níveis de cansaço mais baixos do que o grupo que não implementou a prática. 

Mais surpreendentes foram os resultados obtidos por um estudo conduzido pela Microsoft, em que um programa instalado nos telemóveis dos participantes lançava algumas questões ao final do dia (por exemplo: “Como é que te sentiste em relação ao trabalho hoje?” e “Há mais alguma coisa que gostarias de partilhar?”). No final do período definido para a experiência, concluiu-se que as pessoas que respondiam a estas questões enviavam menos e-mails fora do horário de trabalho, respeitando o seu próprio descanso e o direito a desligar dos colegas. 

Na empresa 37signals, a reflexão guiada é já uma prática instituída. Todos os dias úteis, às 16h30, os colaboradores recebem a questão “Em que é que trabalhaste hoje?”. Todas as respostas são publicadas numa página, agrupadas por data, por isso quem estiver curioso sobre o que se está a passar noutras áreas da empresa pode simplesmente ler. Esta rotina tem o benefício adicional de ajudar as pessoas a refletir sobre o modo como estão a investir o seu tempo. 

Listados que estão os benefícios de “parar para pensar”, aqui ficam algumas sugestões para aproveitar esse tempo da melhor forma:

  • Agendar 10 minutos para reflexão diária. Pode ser no início ou no fim do dia, dependendo de quando se tem mais disponibilidade, energia e “espaço mental”. 

  • Dedicar um caderno a este exercício. 

  • Ter uma estrutura para guiar a reflexão. Três questões são suficientes, por exemplo: O que correu bem? O que aprendi? O que posso fazer diferente?

  • Bloquear interrupções e possíveis distrações. Fechar a porta, colocar o telemóvel em modo avião, silenciar as notificações do computador. 

  • Registar o que vier à cabeça sem grande filtro ou edição.

  • Deixar repousar. 

  • Definir 2-3 momentos críticos no ano em que é importante parar para refletir de forma mais alargada e estratégica (exemplo: no final de um grande projeto, no final de um ciclo, antes ou depois das férias, no final ou no início do ano). Na 37signals, que já mencionei, esta análise mais completa acontece a cada 6 semanas, porque é essa a duração dos ciclos de desenvolvimento na empresa. 

  • Nessas alturas, rever o caderno de reflexões diárias e procurar identificar padrões. Que temas surgem recorrentemente? Quais as maiores aprendizagens? De que forma se têm traduzido na prática? O que tem sido mais desafiante mudar ou fazer de forma diferente? Com base nisto, que plano é necessário pôr em prática durante o próximo ciclo? 

  • Registar estas conclusões e revê-las no próximo ciclo de reflexão alargada.

Se tiveres outras sugestões, se ficaste com alguma dúvida ou se quiseres uma recomendação mais específica para implementar e garantir consistência na tua prática de reflexão, escreve-me.

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Algumas fontes consultadas:

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