3 mitos sobre a minha geração

“Vai minha geração, nasceste cansada, mimada, doente por tudo e por nada, com medo de ser inventada, o que é que te falta agora que não te falta nada?”

Se estivesses a assistir a um programa de cultura geral, o que responderias se o apresentador perguntasse “A que geração se refere o autor?”

O mais provável é que dissesses imediatamente “Geração Y” ou “Millennials” (os nascidos entre 1980 e 1995).

Na verdade, o JP Simões está a dirigir-se à Geração X (os nascidos entre 1965 e 1980) na canção 1970 (Retrato), mas já ouvi, nos mais diferentes contextos e pelas mais variadas vozes, descrições semelhantes feitas sobre a minha geração. 

É uma representação que na minha opinião parte de 3 mitos:

Mito #1: Somos a geração mais qualificada de sempre

A Geração Y é frequentemente descrita como “a mais qualificada de sempre”. Qualificação é, neste contexto, um sinónimo de formação superior – ou seja, somos a geração com mais licenciados, e ainda aquela que acumula mais graus académicos.

Um tal nível de formação faria supor que estaríamos preparados para dar resposta aos desafios que a vida profissional nos apresentaria. No entanto, regularmente ouço histórias e desabafos de pessoas que se sentem perdidas, desmotivadas, estagnadas e desorientadas na gestão das suas carreiras.

As nossas escolas e universidades preparam-nos para entrar no mercado de trabalho munindo-nos de conhecimento teórico sobre a nossa área de especialização, facilitando o desenvolvimento de competências e de uma rede de contactos através de projetos e trabalhos de grupo, e promovendo a nossa aproximação às empresas através de atividades extra-curriculares ou estágios. 

Mas há uma componente essencial da formação que fica de fora de todos os currículos, e que se revela crítica quando o calendário académico, o horário organizado em blocos de disciplinas e o estudo orientado para as épocas de exames deixa de estruturar o dia-a-dia: o auto-conhecimento e as competências de auto-gestão. 

Mito #2: Somos eternos insatisfeitos 

Os Millennials são muitas vezes vistos como mimados, porque para as gerações anteriores, que viveram num contexto de escassez de oportunidades profissionais, é difícil compreender como é que, tendo tantas opções ao nosso alcance, não nos sentimos realizados. 

O nosso mundo é o da abundância, e por isso a nossa geração é provavelmente a primeira a sentir de uma forma tão veemente o chamado Paradoxo da Escolha: perante uma maior diversidade de opções, tendemos a assumir que tomaremos melhores decisões, quando na verdade o excesso de alternativas pode induzir níveis elevados de ansiedade, levar à incapacidade de decidir ou a uma sensação de stress permanente. 

Este fenómeno acontece, por um lado, porque perante mais opções elevamos as nossas expectativas de que tudo vai correr bem. Por outro lado, uma vez que nos sentimos livres de escolher, sentimo-nos também responsáveis pela nossa escolha, o que faz com que o peso de uma má decisão recaia inteiramente sobre os nossos ombros. 

A expectativa criada pela mensagem “podes ser tudo o que quiseres”, em conjunto com o ideal falacioso de uma sociedade meritocrática (“se não tens mais é porque não queres”) reflete-se assim na nossa dificuldade em tomar decisões ou, tomando-as, em ter a certeza absoluta de que selecionámos a opção correta. 

Mito #3: Não estamos disponíveis para fazer “qualquer coisa”

Dizem os especialistas que uma mesma geração enfrentar duas grandes crises no espaço de dez anos é um fenómeno inédito. Há mesmo quem lhe chame “A Geração Perdida”. Todos conhecemos relatos de pessoas que, impactadas pela crise de 2008/2009, demoraram anos a entrar no mercado de trabalho e acabaram por fazer um percurso diferente do que tinham imaginado. Começamos agora também a ouvir histórias de pessoas que foram despedidas com o primeiro filho a caminho, ou depois de terem assumido o compromisso de comprar casa, ou ambos, e que tiveram que reinventar a sua carreira. 

É por isso difícil conciliar estes casos com a ideia, amplamente difundida, de que a nossa geração não está disponível para fazer tarefas que considera desinteressantes ou fora da sua área de formação. 

***

Há umas semanas ouvi alguém dizer “felizmente vem aí a Geração Z (os nascidos entre 1995 e 2010), esses sim parecem ter os pés bem assentes na terra”. Sobre este tema escreverei em breve. Entretanto, talvez valha a pena considerar que os Millennials têm uma longa carreira profissional pela frente, e que substituí-los pela próxima geração talvez não seja a opção mais lógica, viável ou sustentável.  

O que falta à minha geração não é humildade, nem flexibilidade, nem uma visão mais pragmática da realidade. O que falta são ferramentas para encontrar um trabalho que proporcione realização pessoal, estímulo, sentido de propósito e estabilidade para dar passos seguros noutras áreas da vida. 

Fontes: 

O Paradoxo da Escolha, Barry Schwartz, TED

Os "Millenials" preparam-se para a segunda crise das suas vidas, Público

Millennials are the new lost generation, The Atlantic

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