Introvertidos: Sabes quem são?
Imagina que tens duas novas colegas.
Uma delas é assim:
Gosta de almoçar sozinha
Quando almoça com um grupo grande, raramente fala
Atravessa os corredores a olhar para o chão
Passa longos períodos a trabalhar com headphones e sem conversar com ninguém
Raramente vai aos jantares e festas da empresa
Não está à vontade com estranhos
Não sabe “fazer conversa”
A outra é assim:
Quando te convida para almoçar, mantém o telemóvel na carteira o tempo todo
Ouve-te sem distrações nem interrupções
Demonstra interesse no que tens para dizer, fazendo perguntas
Reconhece o teu trabalho e as tuas ideias
Pede a tua ajuda e valoriza a tua opinião
Partilha contigo o que sabe
Cumpre os compromissos que estabelece contigo
Qual irias ter maior curiosidade em conhecer?
Com qual te irias dar melhor?
E se fossem as duas a mesma pessoa?
Sim, é possível. Ana Vargas Santos, muito prazer. Não sou a tua nova colega, mas podia ser. Quão rápido serias a julgar-me a partir da primeira lista de características?
Estima-se que 50% da população é como eu. Não serás, tu próprio, assim? Percorre novamente as duas listas e experimenta fazer um check em todos os comportamentos com que te identificas. Se selecionares mais de 10, bem-vindo! Somos um grupo grande, temos membros incríveis (já te falo de alguns) e até temos um nome para o nosso clube: Introversão.
Se ainda tiveres dúvidas, podes fazer este teste. E se de facto o teu grupo não for este, mas o da Extroversão, lembra-te: 50% da população. Muito provavelmente vais apaixonar-te, trabalhar, conviver ou ser pai de um introvertido.
Por isso, se és introvertido…
Se vives ou convives com um introvertido...
Se trabalhas com um introvertido…
Há três ideias que precisas de pôr em causa.
#1. Os introvertidos não dão bons líderes
Pesquisa no Google: “introverted leaders”. Se o número de resultados e a diversidade de títulos não forem suficientes para te convencer de que esta crença está errada, lê estes testemunhos sobre o Warren Buffet, o Bill Gates, e o Elon Musk.
Já leste? Então vamos ao que importa: como é que um introvertido pode contrariar esta ideia?
Assumindo-se.
Por um lado, quando assumes perante ti próprio que és introvertido, tornas-te mais auto-consciente. John Lilly, ex-CEO da Mozilla, passou a prestar mais atenção ao seu comportamento quando circulava pelos corredores da empresa entre reuniões (normalmente ia perdido nos seus próprios pensamentos e de olhos postos no telemóvel ou no chão) e ao impacto que esse comportamento poderia ter junto das suas equipas.
Por outro lado, quando o assumes perante os outros, consegues ajudá-los a compreender-te melhor. Pat Wadors assumiu a sua introversão aos 30 anos porque queria chegar a uma posição de liderança e percebeu que o facto de ser reservada estava a passar a imagem de que não estava comprometida com o seu trabalho. Hoje é Vice Presidente de Recursos Humanos no Linkedin.
#2. Os introvertidos não foram feitos para o palco
Esta Ted Talk foi vista por mais de 13 milhões de pessoas. O tópico é “O poder dos introvertidos” e a oradora apresenta-se como “Quiet Revolutionary”. O resultado? Milhares de mensagens, cartas e emails de agradecimento, centenas de entrevistas, palestras e conferências e a fundação de uma empresa.
Impressionado? Então vamos lá: como é que um introvertido pode contrariar esta ideia?
Focando-se no propósito.
Quando sentes que tens algo de relevante para partilhar, algo que pode fazer a diferença para quem te vai ouvir, e comunicá-lo se torna o teu foco, consegues contrariar o teu perfil reservado e expor-te para transmitir essa mensagem. Brian Little pode ser uma boa fonte de inspiração. Professor em Harvard, era visto pelos alunos como extremamente extrovertido, e conhecido pelos outros professores como “o tipo que se escondia dos alunos na casa-de-banho depois das aulas”. O que na verdade se passava era que, apesar de ser introvertido e por isso precisar de recuperar energia sozinho e em silêncio, tinha uma paixão e um propósito do qual não queria abdicar: ensinar. E focava-se em fazê-lo tão bem que passava por extrovertido. Podes ouvir toda a história, contada pelo próprio, e vê-lo em palco, aqui (benefício secundário: vais pôr de parte mais uma ideia feita, a de que os introvertidos não têm sentido de humor).
#3. Os introvertidos não gostam de falar
Dirias que alguém que apresentou um talk show durante 33 anos não gosta de falar? Apresento-te David Letterman, o apresentador de televisão barra comediante barra entrevistador barra introvertido.
Surpreendido? Se estás a pensar: “Como pode um introvertido contrariar esta ideia?”, aqui está:
Ouvindo (e falando!).
Os introvertidos estão naturalmente mais confortáveis a ouvir do que a falar. E essa predisposição torna-os, paradoxalmente, bons comunicadores. É que dar espaço ao outro para falar, mostrar interesse no que tem para dizer eliminando interrupções e distrações, e envolver-se ao fazer perguntas, são elementos fundamentais em qualquer conversa.
Por outro lado, “falar” pode assumir diferentes formatos. Escrever, pintar, cozinhar, são formas de falar. É que falar, segundo o Priberam, significa “exprimir-se em”. E a forma como te exprimes é uma escolha tua. Aliás, não só a forma, mas também o conteúdo e o timing - a Pat Wadors explica-o de uma forma brilhante neste artigo.
Muito mais ideias haveria para contrariar (sabias que há quem ache que os introvertidos não precisam de ser reconhecidos pelo seu trabalho?), muito mais estratégias para partilhar (para um introvertido, reconhecer os outros é uma forma de se ver reconhecido também), mas estou certa de que voltaremos a falar sobre este tema. Entretanto, se tiveres alguma dúvida, ou quiseres debater algum tema em maior detalhe, escreve-me. Sou introvertida, e adoro conversar.